quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Profissão do Diabo - Ou Não

Eu lembro que em uma das primeiras aulas que eu tive na faculdade, a professora de sociologia disse "Aposto que muitos que estão aqui resolveram escolher o curso de direito por verem naqueles filmes americanos advogados ganhando aquelas grandes causas." E nesse momento eu pensei "Puta que pariu, esse aí sou eu." Alguns filmes um pouco mais sérios da sessão da tarde acabavam em um juri com o clímax no momento em que o juiz dava a sentença, e eu achava muito irado quando no final o advogado vencia a grande causa. Um exemplo memorável é o filme do velhinho que tem que ir pra justiça provar que é o papai noel de verdade. Saindo da sessão da tarde, O Exorcismo de Emilie Rose (eu axo, tem exorcismo de tudo que é gente agora) é uma história de terror toda contada em um júri. O padre que realizou o exorcismo na Emilie, é acusado de homicídio culposo por acreditar que um demônio possuiu o corpo dela ao invés de ajudar ela no tratamento psiquiátrico. Já a própria advogada dele tenta provar que foi um caso de possessão demoníaca e a defesa é muito bacana. A idéia do filme é muito boa, e o filme mesmo é do caralho. Mas para entendermos melhor o mérito da questão do post, vou exemplificar com um filme que eu acho muito, muito foda:

Lembro até hoje do dia que vi esse filme na locadora e pensei "Pô, isso deve ser sobre um advogado que pega o caso mais fudido do mundo e no final consegue ganhar! Deve ser foda!" Não era do jeito que eu pensei, mas de fato, Kevin Lomax pegava cada criminoso escroto e conseguia com que ele fosse absolvido, mantendo um histórico impecável de vitórias nos tribunais, nunca tendo perdido um caso. Ele é recrutado para uma grande firma de advocacia de Nova York, e a história gira em torno da sua ambição, vaidade, do dinheiro e de uma conspiração sinistra envolvendo a firma. No filme, John Milton, o presidente da firma diz que escolheu a advocacia por essa ser uma profissão que estava em todo lugar, absolvição após absolvição liberando o mau cheiro até que chegasse aos céus. Basicamente, deixando o mal a solta por aí. Popularmente, soltando bandido. Então, o que há de nobre em soltar bandido? O trabalho do advogado não é soltar bandido, é o de garantir que a pessoa exerça o direito sagrado de defesa. Defender-se consiste tanto em justificar o que você fez (conseguindo daí uma legítima defesa, por exemplo) quanto provar que você não fez aquilo pelo qual estão lhe acusando. A justiça funciona da seguinte forma: A acusação acusa um indivíduo de ter praticado determinado crime e expõe fatos e motivos. A defesa contra-argumenta, expondo fatos contrários aos expostos pela acusação ou justificativas. O juiz, ou juri, vai jogar numa balança tudo que foi exposto pela acusação e pela defesa, ponderar sobre a veracidade dos fatos, sobre quem tem razão ou não e, dessa forma, decidir se a pessoa é culpada ou não. "Se é tudo tão bonito assim, então por que os advogados conseguem tirar os criminosos da cadeia? Por que ninguém vai preso no Brasil? Por que a justiça é tão injusta?" Acontece que, pra se ter uma boa acusação, é necessário que se tenha uma boa prova. E pra se ter uma boa prova, é necessário um trabalho bem feito da polícia e da perícia. Pra se fazer uma boa defesa, basta apenas ter um bom advogado. Se um dos órgãos citados falha, a acusação vai por água abaixo. Nesse ponto a defesa sempre vai estar em vantagem. "Mas porra, todo mundo sabe que ele é bandido!" Beleza, então que seja provado no tribunal, ou por acaso você acha certo prender alguém só porque ele tem 'cara de bandido' mas não se tem certeza do que ele realmente fez? "Mas fulano viu lá que ele fez! Porra, pra que tanto processo, tanta prova, tanta coisa? Num dá pra prender logo? Isso aí é bandido!" Se ignorássemos todos os procedimentos legais, voltaríamos para o tempo em que um rei, a seu mero arbítrio, mandava enforcar quem ele quisesse, só porque não foi com a cara. Tudo isso existe pra se garantir que a pessoa mandada para a prisão foi realmente a autora do crime. Afinal de contas, é melhor absolver cem criminosos do que condenar um inocente, como já disse um sábio. E é verdade. Todo mundo reclama quando um criminoso é solto por falta de provas, mas a cagada é generalizada quando um inocente é preso.

O caso Nardoni gerou tanta repercussão que por dias não se falava de outra coisa, até a perícia foi exibida ao vivo na televisão. No dia do julgamento, eu fiquei realmente puto vendo aquele bando de idiotas na frente do tribunal acompanhando o caso, xingando o casal, querendo bater no advogado, chamando a Isabela de anjinho e esperando a condenação. O que me deixou mais puto mesmo, foi um sujeito que falou pro repórter que veio de pernambuco (ou algum outro estado do nordeste, nem lembro agora) somente pra acompanhar o caso. FILHO DA PUTA! Caralho, o cara sai da porra do nordeste pra ficar plantado dias, em pé, junto de um monte de babaca, na frente do tribunal em são paulo só esperando uma sentença que não vai influir em nada na vida dele? Ah, vá tomar no cu, falta do que fazer do caralho. E quando a sentença foi dada, condenando o casal, soltaram fogos e foi feita a maior festa. Será que as pessoas ali acham que são melhores que um bando de camponeses assistindo uma bruxa queimando na idade média?

Mas houve algo bom pra se tirar desse caso. Por mais que o casal já estivesse crucificado pela opinião popular, faltava ainda acabar com eles no tribunal. E, de fato, não havia nenhuma prova concreta que indicasse a autoria do crime sendo realmente deles. E agora? Por mais que não houvessem provas, haviam vários indícios, sinais de que tal coisa tenha sido feita. Reunindo todos os indícios coletados pela perícia, que não poupou esforços, foi possível que a acusação recriasse a linha de tempo de todos os acontecimentos dentro do apartamento até o derradeiro momento em que Isabela Nardoni foi atirada pela janela. Sem chance pra defesa! Decisão unânime do juri! Trabalho excelente do promotor! Justiça! Mas eu duvido que seria dada tanta atenção assim para esse caso se não fosse a pressão popular. Na verdade, acho que nem os juízes botavam fé, tanto que seguraram o casal na prisão até o dia do julgamento, sendo que os nardonis tinham todos os requisitos necessários para responder em liberdade.

Se fosse dedicado (e até certo ponto, possível) todo o esforço necessário para solucionar os demais casos, haveria muito menos injustiça. Outro aspecto é que, particularmente, acredito que a lei brasileira seja sim muito branda, mas isso não é assunto para se discorrer aqui no blog, esse eu deixo para as mesas de bar ;)

Ok, mas tudo isso que eu disse não muda o fato de que advogados são pessoas que tiram pessoas más da cadeia por dinheiro, certo? Bom, somos todos seres humanos, querendo ou não, cometemos erros, podemos nos arrepender, podemos não nos arrepender, enfim, apesar de eu acreditar que a lei brasileira seja branda, também acredito que, em alguns casos, as pessoas mereçam uma segunda chance, ou possam, pelo menos, justificar os seus atos. Um exemplo excelente disso é um dos meus filmes nacionais preferidos: O Auto da Compadecida.

Aqui, o nosso amigo Capeta assume o outro lado do tribunal, a promotoria, acusando, baseado na lei divina, os personagens do filme, tentando arrematar mais almas para o inferno. O tribunal divino também é composto pela Nossa Senhora, como advogada de defesa e Jesus Cristo, o juiz de todos os homens (falei bonito agora, digue lá!), como juiz. Não é um tribunal muito imparcial, haja visto que a advogada é mãe do juiz, mas vamos aos fatos: o Diabo começa a sua acusação, bem fundada, contra cada personagem, mas a Mãe de Jesus consegue achar a brecha na lei divina necessária para que possa defender cada personagem e mandá-los para o céu. Ela consegue até mesmo uma "condicional" para o João Grilo, personagem do Mateus Nachtergaele. Qual a lição que podemos tirar daí? Que o advogado é aquele que também garante que a pessoa tenha sua segunda chance, ou que apenas seja vista como ser humano, como no caso do monstro austríaco, em que o advogado disse ser esse o objetivo, mostrar que o velho que prendeu a filha por mais de 20 anos também era um ser humano. O velho já era réu confesso, então não tinha o que fazer mesmo... hehe. Assim como a acusação bem feita depende da atuação de vários elementos, o mesmo vale para a justiça, que precisa tanto de promotores bons de um lado quanto de bons defensores do outro, para que saia daí uma decisão o mais próxima possível do que seria "justo".

Bem, há muitíssima coisa pra se falar sobre esse assunto, e eu nem entrei na parte de causas cíveis, advogados x advogados! Mas eu tentei falar sobre o basicão do direito penal e de uma forma voltada para os que não conhecem a linguagem técnica do direito, os seus princípios e etc. Mas se eu for parar pra pensar nisso, quase todos os meus amigos estudam direito... vocês não tinham outro curso pra escolher não? ¬¬ Bom.. comentem =D e se você estuda direito, além de me xingar, eu agradeceria também que contribuísse com algo, ou me corrigisse, ou discordasse!
Abraços!!